1984, escrito por George Orwell e meu livro favorito da vida, é uma distopia que se passa em uma sociedade totalitária. Nela, o Partido, liderado pelo Grande Irmão, exerce controle absoluto sobre todos os aspectos da vida da sociedade. Winston Smith trabalha no Ministério da Verdade, alterando registros históricos conforme a necessidade do Partido. Contudo, ele secretamente guarda um ódio pelo partido. Inesperadamente, ele inicia um relacionamento proibido com Julia, uma colega de trabalho. Juntos os dois vão a procura de uma sociedade que assim como eles não aceita essa realidade.

70 anos após sua publicação, 1984 ganha uma releitura feminista focada em Julia e autorizada pelo espólio de George Orwell. Sandra Newman, ao trazer Julia, que na obra original, serve principalmente como um catalisador para o desenvolvimento de Winston, explora não só a visão da protagonista nos momentos dela com Winston, mas dá profundidade à personagem, as suas motivações e a resistência dela contra o regime opressor.

Londres, Pista de Pouco 1, Julia Worthing é mecânica de máquinas do Departamento de Ficção do Ministério da Verdade. Além disso ela faz parte da liga antisexo. Ela mora em um dormitório com outras jovens. Em um mundo constantemente vigiado e cheio de proibições, Julia se interessa por Winston Smith, um colega de trabalho. Ela se vê disposta a cometer crimesexo. Contudo, a vida dela nunca mais sera a mesma e ela vai começar a ver esse mundo de outra maneira.

“Somos nós os mortos.”

Eu não vou conseguir falar de Julia, sem citar 1984 o tempo todo, mas vou cuidar com os spoilers. Em 1984, vemos Julia através da visão Winston. Ela se relaciona com ele, pois consegue ver nele um certo ódio ao partido, então ela vê ele como perfeito para descomprimir as regras e cometer crimesexo. Mas ela é de certa forma mais apática e aparenta estar submissa à realidade. Já aqui, a narrativa centraliza Julia, oferecendo uma visão detalhada de sua vida, suas emoções e seus pensamentos, mostrando-a como uma personagem complexa. É muito interessante ver como a autora traz as cenas dos dois de 1984 pela visão dela, eu gostei.

Sabemos, para quem leu a obra de Orwell, que ela tem acesso a itens que Winston não tem, então a autora explora uma parte do mundo da qual nada sabemos. Fica claro, o talento de Sandra em ir além e imaginar como a sociedade funcionava além dos olhos do partido. Mas foi nesse quesito que a trama me pegou um pouco, ao mostrar esse outro lado, Sandra enfraquece um pouco o partido e, consequentemente, a obra de Orwell. 

Sandra traz temas muito pertinentes para reflexão, como o papel das mulheres, a relação delas com os homens do partido e o aborto. Além disso, ela debate sob uma perspectiva feminista, assuntos que estão em 1984, como autonomia e liberdade, mas aqui focado em um regime patriarcal. Julia resiste de maneiras sutis, e seu relacionamento com outras mulheres destaca a opressão que sofrem em um estado totalitário. 

“Qualquer coisa era possível quando não se sabia a verdade.”

Sandra separa o livro em três partes e para cada uma delas coloca Julia em um momento de decisão importante em sua vida. Na última parte do livro, a autora faz a protagonista ir além do final de 1984. Eu fiquei muito surpresa com o rumo que a história tomou, confesso que essa parte trouxe mais questões que me desagradaram. Contudo, eu acho que, por tudo que foi construído, o final respeita a obra de Orwell.

Eu terminei esse livro com duplipensamento. Como fã de 1984, eu consigo gostar e desgostar dessa obra. Acho que quem nunca leu a obra original, vai gostar muito, pois os temas são pertinentes e merecem reflexão. Com Certeza, Julia, de Sandra Newman, oferece uma reinterpretação bem provocativa, principalmente ao destacar a resistência feminina, com questões de gênero e poder, e a complexidade da opressão totalitária.

Avaliação: 3 de 5.

  • Julia
  • Autor: Sandra Newman
  • Tradução: Maíra Meyer
  • Ano: 2024
  • Editora: Maíra Meyer (Tradutor)
  • Páginas: 368
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