Jorge Francisco Isidoro Luis Borges Acevedo (1899–1986) foi importante escritor, poeta, tradutor, crítico e ensaísta argentino. Fluente em diversas línguas, eterno estudante e leitor entusiasta pelo universo literário, teve a oportunidade de conhecer e morar em outros países, além de impactar positivamente a trajetória de incontáveis referências da literatura mundial.

Aos trinta e um anos, conhece Adolfo Bioy Casares (1914-1999), quem com apenas dezenove anos já se destacava como verdadeiro prodígio. Em pouco tempo os dois firmaram uma das relações de amizade e produção literária mais frutíferas da história e, entre 1942 e 1977, escreveram e publicaram quarenta e oito textos, formalizando perspectivas literárias que envolveram confiança mútua no processo de escritura e construção de narrativas e um experimentalismo livre das amarras de linguagem e estilo. Após anos esquecidos, os materiais produzidos pela dupla foram devidamente reunidos nesta coletânea, publicada pela Companhia das Letras.

Por demonstrar reconhecimento das peculiaridades linguísticas, dos contextos histórico sociais de uma Argentina das décadas de 1940 – 1970, além de todos os maneirismos e características rebuscadas da escrita alcançada pelos autores, o primeiro destaque desta edição encontra-se nos fundamentos tradutórios e tradução final da coletânea.

“Quadro que é todo um sintoma: no mesmo instante em que o exército renuncia aos rigores castrenses para se transmitir de geração em geração a tocha sacra de uma soberania bem entendida, uns caipiras perdem a compostura e o… tempo entre os dédalos e meandros de uma topografia decididamente barrenta!”

Embora trate-se de uma língua cujas raízes alinhem-se com as do português brasileiro, podendo ser considerada “semelhante” para os ouvidos de nossos leitores, é interessante perceber que as tradutoras foram capazes de manter o aspecto “estrangeiro”, as peculiaridades regionais e territoriais de um país que, mesmo localizado em divisa com o nosso, apresenta detalhes, paisagens e vivências diversas que o tornam tão único quanto semelhante. Aqui, toma-se todo cuidado para que se mantenham expressões, particularidades históricas e contextos tanto mais aproximados quanto mais distantes do leitor. Deste modo, ao mesmo tempo em que são apresentadas explicações para pontos específicos das narrativas, também são deixados de lado, propositalmente, tantos outros para que o próprio leitor ative sua curiosidade e busque conhecer mais sobre aquilo que leu.

Outro destaque e mérito da edição publicada pela Companhia das Letras encontra-se na maneira como buscou-se manter algumas das características essenciais da escrita e construção narrativa de Bioy e Borges. Comumente analisados e referenciados por seus aspectos rebuscados, seu baixo nível de fluidez e curiosa complexidade linguística e estilística, os quarenta e oito textos foram interpretados de maneira a manter todos aqueles elementos que tanto se reverenciam quando pensamos na colaboração destes prezados escritores argentinos. Assim, muito mais do que uma edição e textos finais de qualidade, criam-se também verdadeiros desafios de leitura, exigindo dos leitores foco, perseverança e curiosidade para ultrapassar cada capítulo e compreender suas possíveis inspirações, pontos fortes e fracos, além de estabelecer uma espécie de ranking com relação aos enredos que parecem se perder por entre uma quantidade considerável de detalhamento e exposição de informações que, muitas e muitas vezes, parecem pouco alinhar-se com a história que se lê.

Avançar pelos contos escritor por Bioy e Borges é uma tarefa árdua e cansativa. Uma vez que sua escrita apresenta alto índice de rebuscamento e no processo de tradução optou-se por manter aspectos linguísticos regionais e detalhes específicos da trajetória argentina, os textos, que já não eram simples devido a quantidade inusitada de informações, transformam-se em verdadeiras conquistas de esforço leitor.

A Obra Completa em Colaboração não é, definitivamente, para todos. É inegável que muitos se debruçarão por suas páginas e encontrarão momentos de leitura lenta, cansaço mental e dificuldade para compreender o que buscou-se transmitir em cada história. É inegável, também, que tais apontamentos descrevem, com precisão, minha experiência de leitura. Mas, ainda que muitos leitores se sintam distanciados da literatura por conta de exemplos como esse, é necessário entender que num processo de escrita experimental como o da dupla argentina, cada conto finalizado possibilitará o crescimento de nossos horizontes e bagagem de leituras, permitindo que, talvez, na próxima vez que nos depararmos com uma escrita complexa e desafiante, a experiência se torne um pouco menos maçante e um pouco mais prazerosa.

Aqueles que se aventurarem por estas páginas encontrarão histórias variadas, muitas fortemente inspiradas em clássicas narrativas de mistério, crime e investigação. Passando dos inusitados contos em que um presidiário recluso, preso injustamente, desvenda o segredo de crimes insolúveis, até chegar às anedotas sobre renomados escritores ficcionais que renovaram a literatura ao inaugurar novos movimentos e tendências, cada história demonstra a criatividade e inventividade de seus autores. Nenhuma possibilidade narrativa, nenhuma ideia ou direcionamento, nenhuma tentativa de extrapolar os limites da literatura comercial e focar nos menores e pequenos detalhes poderia classificar-se como descartável para Bioy e Borges. E essa é uma de suas melhores qualidades! A dupla nunca se deixou amarrar por possíveis e impossíveis, acreditando que os processos de experimentalismo linguístico, estilístico e narrativo os levariam para horizontes que, por fim, demarcaram toda uma assinatura de seus textos conjuntos.

A Obra em Colaboração é um marco da literatura argentina, mas também na trajetória daqueles que buscam desafiar-se e conhecer textos, livros, literaturas que vão além do cansativo e padronizado ditame de regras que tanto se busca infringir aos leitores e escritores. Peculiar, rebuscado e complexo, Bioy e Borges nos permite ampliar horizontes e celebrar a produção literária de países vizinhos, reconhecendo que criatividade, talento, inventividade e qualidade literária encontram-se em todos os pontos geográficos, necessitamos apenas olhar com maior curiosidade, gentileza e atenção!

Avaliação: 4 de 5.

  • Obra completa en colaboración
  • Autor: Adolfo Bioy Casares e Jorge Luis Borges
  • Tradução: Maria Paula Gurgel Ribeiro e outros
  • Ano: 2023
  • Editora: Companhia das Letras
  • Páginas: 532
  • Amazon

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