Dolores Claiborne foi originalmente lançado aqui no Brasil em 1995, sob o título de “Eclipse Total” e, confesso, acho que o título antigo caia melhor para a história. Era um daqueles títulos que passam a fazer sentido quando você entende a obra, e mesmo que nessa nomenclatura repaginada possamos ter noção do foca na personagem feminina, ainda assim sou um saudosista.
Stephen King se utiliza de uma noite de eclipse total para mostrar o quanto estes fenômenos podem influenciar no comportamento das pessoas, fazendo elas serem capazes de coisas absurdas, mudando até mesmo de personalidade quando os eventos acontecem.
É em um dia como este que Dolores, uma empregada doméstica, assassina sua patroa, Vera Donovan. Dolores é presa, está na sala da delegacia sendo interrogada, precisa contar como assassinou a mulher, mas diz que para que todos entendam porque fez aquilo, precisa contar sobre toda sua vida, tudo que passou durante seus mais de 60 anos. Ela inicia um gigante monólogo, contando desde sua infância, falando sobre o relacionamento abusivo que vivia, a forma como era violentada e tudo que precisou aguentar durante todos aqueles anos, sem esquecer de detalhar o jeito grosseiro e violento que a própria Vera a tratava durante todos os anos de trabalho ao seu lado.
O livro é genial, construído de uma forma que poucas vezes vi dar certo na literatura. A narrativa é direta, com a personagem principal contando toda história em primeira pessoa. As coisas são tão “retas” que não existe sequer divisão de capítulos, o que na minha opinião não acho tão agradável e inclusive enquadro como uma ferramenta narrativa perigosa para a literatura, ainda mais quando se trata de ficção.
Narrativas em primeira pessoa também não são as minha favoritas, até mesmo em biografias. Mas nessa história o ponto está justamente neste fato: como Dolores vê tudo que passou na vida. A visão de Dolores é bem interessante, passa a impressão de estar sendo cem por cento sincera, mas não podemos esquecer em nenhum momento que é uma assassina, sentada na cadeira do delegado, falando sobre seu crime.
Dica gringa #3: Dolores Claiborne
Você acreditaria nesta mulher? Como vemos essa história? Seria ela uma narradora não confiável? Não há contraponto. No fim do livro temos “recortes” de jornais da época, que mostram como ficou resolvida toda questão do homicídio de Vera, e aí mais dúvidas ainda surgem na nossa mente.
Esse é o principal ponto da genialidade de Stephen King. A forma como ele coloca os elementos na história são de explodir nossa cabeça, aqueles detalhes que ficam se remoendo em nossa mente, sem que jamais possamos ter uma resposta real. E isto só poderia acontecer se tivéssemos apenas um dos lados da história, se a narrativa fosse em terceira pessoa ou se tivéssemos vários narradores, ou até aquele narrador onipresente e onisciente, não restaria qualquer discussão sobre os fatos. Mas não, ele faz a gente acreditar em uma pessoa que nem conhecemos, crendo piamente que tudo aconteceu como ela confessa.
Dolores Claiborne era um daqueles livros do King que eu nem sabia que existia, mas entrou facilmente para a lista dos meus preferidos do autor. E os motivos são muitos: a surpresa da narrativa envolvente, a genialidade de fazer um livro que tinha tudo para ser ruim ficar fenomenal, uma personagem marcante, um crime que é apenas mais um dos elementos da história… eu até perco a conta de tudo que fez essa obra ser uma das melhores leituras do ano até agora.
O livro ainda tem uma ligação com outra obra do escritor: “Jogo Perigoso”, onde a personagem principal também sofre com as consequências de um eclipse total, ocorrido no mesmo dia deste que é narrado pela Sra. Claiborne. Uma ligação que só poderia ter sido criada na mente do maior escritor de todos os tempos.
A história é ótima, tem um final envolvente, mas como eu já disse, é uma leitura bem perigosa. Sua experiencia de leitura será desafiadora ao extremo, mas talvez este seja o principal motivo de ficarmos tão fascinados pelo autor e por uma de suas criações mais peculiares.
- Dolores Claiborne
- Autor: Stephen King
- Tradução: Regiane Winarski
- Ano: 2024
- Editora: Suma
- Páginas: 240
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