É interessante quando um livro cria uma dualidade de emoções que fica difícil você decidir como se sente sobre ele. E, INSTINTO MATERNO, é um destes livros. A leitura que se mostra desconfortável, indigesta e até surreal em alguns momentos, é compensada pela fluidez do texto, entregue em um enredo que instiga nossa atenção, prendendo o leitor do início ao fim, precisando desesperadamente descobrir toda a verdade, ainda que você tenha desconfiado do que poderia ser o desfecho. E com isso quero dizer, que mesmo não sendo perfeito, ele é bom e a gente gosta.

Tiphaine e Sylvian são pais dedicados e amigos próximos de Laetitia e David Brunelle, formando um quarteto inseparável, compartilham uma amizade profunda e duradoura, especialmente unidos pelo fato de ambos terem filhos da mesma idade, eles vivem lado a lado, criando seus filhos na segurança de um ambiente amoroso e solidário. No entanto, essa relação harmoniosa é destruída por um evento trágico e irreversível: a morte acidental de Maxime, filho de Tiphaine e Sylvian. Esse acontecimento abala profundamente os laços entre os casais, desencadeando uma série de eventos e emoções que questionam até onde o instinto materno pode levar alguém.

“Machucados demais para assumir a dor do outro, ficamos à deriva dos argumentos destinados a pôr fim na conversa. Para dar um cala-boca. Ou apenas para ter paz.”

Como amigos próximos, se “espera” que ao enfrentar um momento tão delicado e doloroso quanto a perda de um filho aproxime ainda mais os amigos. Só que não é isso que acontece. A partir do ponto da perda, a história passa a girar em torno de hostilidade, luto e culpa. Laetitia e David, precisam lidar com o afastamento não compreensivo dos amigos, e a forma como eles parecem não os querer mais por perto, como se o fato deles ainda terem um filho vivo fosse o catalisador de um crescente ressentimento. A medida que os dias vão passando, alguns atritos ocorrem, e uma conversa aparentemente sincera faz com que os “amigos” voltem a se falar e frequentar a casa um do outro, entretanto, uma onda de acontecimentos estranhos com Milo, filho de Laetitia e David, começam a acontecer, levantando desconfianças a respeito da amizade e das intenções por trás de cada ação.

O suspense é construído de maneira impecável, com a tensão crescente a cada página. A autora usa habilmente reviravoltas e revelações para manter o leitor engajado, criando uma atmosfera de constante incerteza e inquietação. A morte de Maxime, não é apenas um ponto de partida, mas um tema que permeia toda a narrativa, influenciando as ações e pensamentos dos personagens de maneiras profundas e muitas vezes perturbadoras. Outro ponto que vale ser ressaltado é o próprio instinto materno, que trás à tona esse amor indestrutível, e até onde uma mãe é capaz de ir para proteger o seu filho.

A narrativa da autora é envolvente, evocativa, apresentando nuances das emoções humanas com precisão e sensibilidade. Ela consegue nos capturar e inserir na vida dos personagens, fazendo com que sintamos suas dores, medos, momentos de esperanças, frustrações… é o que torna de fato essa leitura tão interessante, a destreza da autora em manter as emoções à flor da pele, angustiar, desesperar, e até mesmo irritar.

Instinto Materno, nos oferece um thriller psicológico de tirar o fôlego, onde o amor maternal, a amizade e a culpa se entrelaçam em uma trama complexa e profundamente emocional. Barbara Abel nos desafia a olhar para dentro de nós mesmos, questionando nossas próprias noções de amor, culpa e perdão. É um livro que permanece na mente do leitor muito depois de a última página ter sido virada, deixando uma marca indelével com sua poderosa narrativa e personagens inesquecíveis.

E ainda que eu reforce tudo que já foi dito aqui e que tenha gostado da leitura, preciso dizer que existem sim pontos que me incomodaram. Começando pelo fato de que ao concluir a leitura a sensação que permaneceu em meus pensamentos é de que não existia motivação REAL, para as escolhas e ações. O plot é irreal, algumas cenas são forçadas, tem uma pitada de exagero e alguns muitos clichês. Não é um thriller de enredo surpreendente, que vai te fazer pensar e repensar, te colocar para montar um grande quebra-cabeça, e sim, um que vai ditar um ritmo legal e te envolver a ponto de você realmente querer seguir lendo até a última página. Portanto, sim, vale a experiência de leitura.

“A amizade é uma força que ninguém pode fingir ser capaz de ficar sem. Nós precisamos de amigos, assim como precisamos comer, beber e dormir. A amizade é como o alimento da alma: ela revitaliza o coração, sustenta o espírito, nos enche de alegria, de esperança e de paz. Ela é a riqueza de uma vida e o símbolo de uma certa ideia de felicidade.”

Estou bem animada para seguir lendo a autora, a GLOBO LIVROS já lançou a sequência de Instinto Materno, ALÉM DO INSTINTO, e eu preciso desesperadamente saber o que irá acontecer com nossos personagens a partir daqui.

Avaliação: 3.5 de 5.

  • Mothers' Instinct
  • Autor: Barbara Abel
  • Tradução: Érika Nogueira
  • Ano: 2023
  • Editora: Globo Livros
  • Páginas: 296
  • Amazon

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