Angel Rahimi está se formando no ensino médio. Filha de muçulmanos ou islâmicos ou sujeitos de ascendência árabe, confesso que não lembro de ter observado a narrativa especificar tais detalhes, com muito esforço ela se manteve em classificações medianas quando o assunto eram suas notas e perspectivas de futuro.
Desencantada pelas cerimônias de formatura e desanimada com a ideia de estudar psicologia, um dos poucos cursos para os quais suas notas possibilitaram inscrição e aceite, ela deposita grande parte de sua felicidade, motivação e significado na Ark, banda ficcional britânica cujo estilo musical poderíamos considerar entre pop, emo e rock. No final de semana de sua cerimônia de formatura ela parte para a casa de uma de suas melhores amigas virtuais, sonhando com o fan meeting e show da Ark, sonhando com as experiências, encontros e momentos que deveriam marcar para sempre sua história com a banda, com a música e com os poucos amigos que manteve ao longo da vida … mal sabe ela que tudo ocorrerá de maneira contrária ao que imaginou e que sua vida nunca mais será a mesma após esse final de semana.

“Tipo, todo mundo é normal, todo mundo é esquisito, todo mundo só está tentando tocar a própria vida, manter a calma, seguir em frente. E se agarrar a qualquer coisa que lhes permita continuar.”
Jimmy Kaga-Ricci é um dos três integrantes da Ark. Ansioso, paranoico e com graves crises de pânico ele enfrenta as dores e os amores da fama. No mesmo final de semana em que seus fãs se preparam para um dos momentos mais memoráveis de suas vidas, Jimmy, Rowan e Lister se direcionam para o fim de uma turnê e assinatura de novo contrato que, não apenas levará seus nomes para os mais altos patamares, como resultará em mais trabalho, mais entrevistas, mais sessões de fotos, mais shows, mais gravações, mais ações promocionais… resultando em mais ansiedade, mais crises de pânico, mais festas e bebedeira, mais cansaço, mais tempo distante da família e daqueles que amam.
Quando uma foto é publicada sem o consentimento dos meninos e uma crise se instaura entre o fandom e a banda, três garotos britânicos que sonhavam em tocar para grandes multidões podem encontrar, no meio do caos e sujeira que a fama carrega, as respostam que buscavam para a solução de seus problemas mais íntimos … mal sabendo que, por entre confusões, atentados e fãs descontrolados, teriam seus destinos cruzados com um anjo!
Eu Nasci pra Isso é a típica história adolescente que recorre às premissas da “aventura de um final de semana”, “encontro com ídolo” e “confusões causadas pelas escolhas e consequências de nossas ações”. A diferença entre esse, meu primeiro livro de Alice Oseman, e tantos outros publicados mensalmente por editoras de todo o globo, está no cuidado, atenção e maturidade com que a escritora consegue trabalhar questões como o desejo por encontrar-se e pertencer; as relações familiares e amizades entre jovens nesse período conturbado que é formar-se no Ensino Médio e desvendar as próximas fases da vida; o papel e a escala adquirida por ídolos em nossas trajetórias individuais, além dos erros que cometemos e diferentes maneiras como com eles nos relacionamos.
Sabendo ser com essas perspectivas e estruturas narrativas com as quais deseja trabalhar, a escritora também desenvolve uma habilidosa costura entre sequências de eventos (im)previsíveis e instigantes, afinal, estamos falando de uma aventura adolescente permeada por encontros e desencontros com ídolos que, ao mesmo tempo, consegue inserir temáticas como transexualidade, abuso e assédio, saúde mental, pressões sociais, familiares e individuais.

É verdade que Alice Oseman trabalha brevemente e sem grande aprofundamento com essas temáticas, evitando adentrar em terrenos conturbados como o possível início de reposição ou aplicação hormonal em menores de idade, a aparente falta de apoio e proteção que jovens músicos vivenciaram por parte de seus produtores e agentes quando do crescimento da banda, além das maneiras como o universo da fama parece estar sempre permeado de vícios, abusos, assédio, problemas mentais e figuras de poder tirando proveito daqueles que iniciam a árdua jornada. Porém, é verdade, também, que ao não se aprofundar em tais perspectivas ela evita polêmicas e pontos frágeis na história, estando fortemente e verdadeiramente balizada pelos objetivos do próprio livro.
Eu Nasci Pra Isso não se trata e, em momento algum, busca questionar ou refletir tais questões, assim, cobrar algo que não existe no texto seria forçar em sua essência algo que não é … mas, vale destacar que as possibilidades existiam e, por escolha racional e proposital, não foram abordadas por uma escritora que teria toda a habilidade, maturidade e talento para isso.
Dentre tantos aspectos, por fim, sinto que a maneira madura, sensível e crítica com que aqui se abordam as diferentes relações entre sujeitos e os objetos de suas paixões, é profunda e verdadeiramente minha parte preferida do livro. Da crença na posse do objeto de nossas paixões, das histórias absurdas e ficcionais que elaboramos em nossas mentes, do sentimento maravilhoso de ver seu artista cantando ou tocando ao vivo e diante de seus olhos até os gastos excessivos, compulsivos e desnecessários com produtos oficiais. Das diversas frequências e escalas de amor, partindo do apoio descompromissado e pé no chão à emoção que sentimos quando uma música se conecta com nossa alma até o descontrole emocional que leva à carência, dependência e violência… tudo perpassa as palavras de Oseman, demonstrando que a paixão por uma banda, um artista, um grupo, franquia, livro, jogo ou animação apresenta diferentes frequências e formatos, mas quando são saudáveis… ah, elas fazem valer a máxima de que “triste é a pessoa que não é fã de nada”!
Eu Nasci Pra Isso é para os jovens tanto quanto para os adultos. É para todo leitor que um dia já se apaixonou por algo além de seu alcance. É para os fãs saudáveis e para aqueles que precisam de algum tipo de chacoalhão. É para aqueles que nunca perderam o sentimento de pertencimento a um grupo, mas também nunca permitiram que assumisse o controle de suas vidas. É uma história divertida, instigante e crítica o suficiente para agradar e guardar na estante enquanto se anseia pela próxima leitura dessa escritora que, como tantas, possuí palavras e mensagens que valem a pena serem lidas!

- I was born for this
- Autor: Alice Oseman
- Tradução: Lígia Azevedo
- Ano: 2023
- Editora: Seguinte
- Páginas: 362
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