Yoichi Yamashita está há 15 anos sem ver seu pai. Ele guarda mágoas e rancores junto de memórias não tão claras sobre uma infância dolorosa. Ao receber a notícia do falecimento de seu pai, Yoichi entra numa confusão de sentimentos. Casado e morando em Tóquio, Yoichi ainda pensa em postergar por mais um dia sua ida a sua terra natal, Tottori, para o velório do pai. Já no velório do pai, Yoichi encontra a família. Nesse momento de dor, contemplação de sentimentos e resgate de lembranças, Yoshi vai ouvir sua família e confrontar os relatos com tudo que tem guardado dentro de si por tantos anos.  

Na minha saga de conhecer mangakás famosos, posso colocar mais um na lista. Jiro Taniguchi, nasceu na cidade de Tottori, no Japão, mesmo local desse mangá. Conhecido por um mangakás mais ecléticos e brilhantes de seu tempo, suas histórias foram de faroeste a adaptações literárias. O mangaká já possui muitos lançamentos no brasil, sendo um deles Guardiões do Louvre, que traz toda sua paixão pela França. Eu estou feliz de ter entrado nas obras do autor por um mangá tão sensível e complexo, como O Diário de Meu Pai, um mangá em volume único.

O curioso nessa obra é ela se chamar O Diário do Meu Pai, e não termos diário. Mas para o protagonista, que escuta dos familiares tantas histórias de seu pai e fica sabendo dos verdadeiros sentimentos dele, é como se estivesse lendo um diário. Afinal, toda história tem dois lados, e Yoichi Yamashita nunca deu oportunidade de conhecer o lado do pai. Agora, não há mais o que fazer. 

“Eu não tinha como saber, mas aquele foi o começo de um período de tormento para os meus pais.”

Toda a narrativa se passa no tempo cronológico de uma noite praticamente, contudo vamos voltar, junto de Yoichi, para vários momentos de sua vida. Assim, conforme as pessoas da família vão contando histórias e mostrando a ele o amor que o pai tinha por ele, vamos ver Yoichi confrontando o que ele “sabia” e pensava sobre esses momentos. O mais importante aqui é ver que as histórias não são tão simples e tão claras como imaginamos. Além disso, assim como nós, todas as pessoas inseridas em uma família são impactadas por atitudes e decisões que cada uma toma. 

Então assim, ele vai descobrir um pai muito diferente do que ele lembrava. Pois os momentos de dor pra ele, também foram momentos de dor para o pai, mas ele estava centrado somente nele enquanto crescia. Agora, através dos olhos de outras pessoas,  é transformador ver que os momentos que o marcaram, também marcaram o pai. O incêndio na cidade, a separação com sua mãe, a decisão de um novo casamento são os fatores que deixaram esse pai mais frio e distante, contudo isso não significa que não amava o filho. 

Assim, conforme crescia e essas coisas aconteciam, uma transformação também seguia em Yoshi, a mágoa dentro dele ganhava espaço. Curioso ver depois ele refletindo sobre como o que sabemos das pessoas, mesmo que de nossa família, é muito pouco e muitas vezes distorcido por nossa visão infantil. Como filhos, na maioria das vezes só conhecemos o lado paterno de nossos pais, contudo não podemos esquecer que as pessoas são complexas e chias de camadas. 

Conforme eu ia lendo, eu cheguei a pensar que esse mangá não ia me cativar, contudo, depois da metade da leitura eu já estava completamente envolvida e refletindo sobre tudo. As relações com nossos pais sempre são muito complexas e toda nossa vida é moldada por tudo que acontece enquanto crescemos. Então ter dores e traumas podem fazer parte da nossa vida, contudo acredito que quando crescemos é importante não deixarmos ser consumidos por esses sentimentos e avaliar se vale a pena ficar distante ou ficar guardado rancores enquanto nossos pais envelhecem. Afinal, eles vão morrer e então não poderemos mais aproveitá-los.

Só quem passou por um momento de perda e culpa por não ter estado mais tempo com determinada pessoa, vai compreender os sentimentos que o personagem é acometido. Eu chorei no final depois de refletir sobre a complexidade das relações familiares complexas. Como eu disse, é um mangá muito sensível.

  • 父の暦
  • Autor: Jiro Taniguchi
  • Tradução: Drik Sada
  • Ano: 2024
  • Editora: Pipoca e Nanquim
  • Páginas: 284
  • Amazon

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