Há 200 anos, Edgar Allan Poe consagrava suas obras que envolviam, essencialmente, mistério e o terror tétrico. De maneira mais geral, suas obras ficaram conhecidas mundialmente como terror gótico do século XIX, além disso, o autor virou um dos primeiros autores americanos de contos, as ditas narrativas curtas. Muitas de suas histórias viraram exemplos literários e impressionam os leitores até hoje, pois nunca, algum autor chegou perto do seu imenso talento.
O Gato Preto, lançado originalmente em 1843 em uma revista semanal, é um dos, tantos conhecidos, contos do autor que envolverão situações macabras e misteriosas. A
Martin Claret resolveu apostar pela primeira vez, no formato de quadrinhos e nada melhor do que começar ilustrando uma história que envolva os sentimentos sombrios da natureza humana. Através das ilustrações de
Diogo Henrique e
Hugo Matsubayashi abriremos a carta do narrador, ele que narra sua própria história, desde a infância conturbada até a vida adulta. O narrador conta que sempre prezou os animais e acabou se casando com uma mulher que os admirava tanto quanto seu marido.
Há algo generoso e sem egoísmo no amor de um animal que vai diretamente ao coração de quem tem tido a ocasião de testar a amizade desprezível e a tênue fidelidade de um mero homem.
Foi quando um gato chamado Plutão, acabou entrando na vida do casal. Um gato preto, grande e gracioso e assim Plutão cativou seu lugar como o preferido dentro da casa. Mas com o tempo, o narrador acabou mudando seus hábitos, dia após dia, ele se tornava mais rude e indecifrável, até o dia que começou a utilizar a violência não só contra seus animais, mas também com sua esposa. O caráter do homem havia mudado, motivado pelo álcool e perturbado por algo ainda pior, seu humor não melhorava. Até o ponto que nem mesmo Plutão ficaria imune as mudanças de humor do dono. Foi num dia de completa embriaguez que o narrador resolveu punir o gato por tentar evita-lo e assim, Plutão acabou perdendo um de seus olhos, porém, este ato impensado não só traria consequências ao gato, mas também mudaria seu dono completamente.
A história envolve elementos da superstição humana, sendo sua principal, a inclusão do gato preto na história. São tantas as histórias inventadas que envolvem o animal, que os inocentes bichanos sofrem as consequências dessas histórias até hoje. A inclusão destes elementos contribuem com a atmosfera sombria e misteriosa que Poe desejou trabalhar desde o início em seu conto. Além disso, há alusão do nome do gato, Plutão, que é uma referência direta ao deus romano da mitologia grega, que é o deus dos mortos.
Feita a ambientação do conto, percebi que o autor resolveu trabalhar diretamente o sentimento de culpa do homem. Que após um ato inadvertido, não consegue lidar com todos os seus demônios. O narrador relata que a perversidade é um dos instintos mais primitivos do coração do homem, algo que orientará a essência de qualquer homem na terra. Até hoje, sofremos com a crueldade do mundo, refletida em tantos crimes e maldade. Há anos atrás, Poe escrevia sobre isso com tamanha propriedade que o seu teor real já é assustador o suficiente do que sua própria obra.
O fato do conto ser narrado em primeira pessoa, contribui com que esta relação entre – narrador e leitor – seja ainda mais íntima. Faz com que o leitor sinta e se identifique com cada nuance que o personagem revela ao longo das páginas. As ilustrações, o traço e as cores utilizadas brindam a obra como uma imperdível edição. Sem dúvidas é uma experiência literária que preserva e revela todas as emoções e sensações que o autor, desde sua criação, desejou causar.
O Gato Preto é um conto intrigante que explora a assustadora e cruel face humana. O leitor desfrutará do mistério e do fantástico daquele modo que só Edgar Allan Poe conseguiu criar e esmiuçar, mas que ganham um diferente tom de terror quando acompanhamos pelas ilustrações excepcionais, macabras e perturbadoras que encontramos nesse quadrinho.
Os bons autores ganham voz das mais diversas formas, são em reedições, traduções, filmes, peças e quadrinhos. Trazer uma história já tão conhecida, traduzida nas mais diversas linguagens, para o formato de quadrinhos abre a brecha ideal para aproximar novos leitores do formato e também novos leitores para as obras originais do autor, que em um primeiro momento pode amedrontar. Eu recomendo a experiência e espero que todos aguardem ansiosamente o próximo volume assim como eu.