Com sua escrita acessível, tramas instigantes, personagens curiosos, mundos belamente construídos e, principalmente, com suas histórias repletas de nuances, recheadas de uma complexidade magistral, o que direciona para uma série de reflexões por parte dos leitores que se arriscam para além da superfície de suas narrativas, Isaac Asimov uniu-se aos principais nomes ligados à produção literária de ficção científica escrita ao longo do século XX. Por reconhecer a relevância de suas obras para a trajetória e estabelecimento do gênero literário, além de defender que diversas narrativas do autor servem como porta de entrada para os mundos, contextos, interpretações e paixão pela ficção científica, não poderíamos deixar que o Estante Diagonal passasse outro dia sem que uma de suas obras fosse devidamente apresentada aos leitores.

Fundação, primeiro volume de uma trilogia que acabou por transformar-se em uma curiosa, instigante e encantadora série de livros, delineia um ponto de partida razoavelmente simples para uma trama complexa e profundamente conectada à eventos, detalhes e períodos específicos da própria história humana. Logo em suas primeiras páginas seremos apresentados a Hari Seldon, bem como ao seu campo de estudos acadêmicos: a psicohistória, uma verdadeira inter-relação entre conceitos, teorias e práticas de campos como a matemática, história e sociologia. Nas mãos habilidosas de Hari Seldon, porém, a psicohistória possibilitou a previsão de acontecimentos futuros, além da certeza de que o Império Galático estava com os dias contados e, no momento em que caísse, 30 mil anos de barbárie intergaláctica aguardariam ansiosas para preceder seu declínio.

[…] a queda do Império, cavalheiros, é uma coisa sólida e não será fácil evitá-la. Ela é ditada por uma burocracia em ascensão, um dinamismo em declínio, um congelamento de castas, um represamento da curiosidade…

Contudo, Hari Seldon elabora um plano ousado e, por meio de maquinações políticas misteriosas, garante o estabelecimento de uma Fundação em um dos planetas mais distantes e inóspitos da galáxia. Composta por estudiosos pertencentes aos mais diversos campos, este inusitado domínio humano deve manter, proteger e preservar todo o conhecimento adquirido pela humanidade, com exceção do campo da psicohistória. Assim, dá-se início a nossa trama!

Através da elaboração de um plano que leitor e membros da Fundação desconhecem, seremos lançados para o futuro, para os desafios enfrentados por esta comunidade isolada do restante da galáxia, para as primeiras relações que firmará com a comunidade de outros planetas, para as alianças que estabelecerá e, como não poderíamos deixar de mencionar, para as famosas Crises Seldon, momentos cruciais de conflito previstos por Hari Seldon que, uma vez superados, possibilitam a garantia de que seu plano segue sem grandes obstáculos. Deste modo, na medida em que percorremos períodos específicos da trajetória da Fundação, acompanhamos os desafios enfrentados por esta comunidade, bem como algumas de suas personalidades, observaremos também uma magistral reinterpretação da história humana.

E reinterpretação da história humana demonstra-se como a sentença que melhor expressa os objetivos e direcionamentos da narrativa construída por Isaac Asimov. Para garantir a perfeita estruturação de sua narrativa o autor precisou lançar-se em meio a um processo de pesquisa que, muito mais do que coletar dados acerca dos principais acontecimentos e períodos da trajetória humana, visava compreendê-los em seus aspectos gerais, bem como em suas características e consequências. Uma vez reconhecidos os caminhos humanos, Isaac Asimov precisou transportar todo o contexto milenar de uma história transcorrida nos limites da Terra para a imensidão do espaço sideral.

Assim, Fundação destaca-se como uma obra magnífica e brilhante não somente por conta de todo o trabalho de pesquisa realizado ou pelo trabalho imaginativo do autor quando insere a história da humanidade dentro de um contexto espacial, seu valor encontra-se também na maneira com que interliga cada um destes elementos em meio à uma trama tão complexa quanto a humanidade, tão instigante e caótica quanto os caminhos que trilha e, principalmente, tão real que em muitos momentos assemelha-se a mais incrível ficção.

Ainda que em momentos específicos da narrativa o leitor não seja capaz de reconhecer as personalidades históricas que inspiraram determinado acontecimento ficcional ou mesmo o período específico que permitiu a construção de certo evento pertencente ao enredo de Fundação, é divertido e instigante comparar quais características e detalhes saltam aos olhos de cada leitor. Alguns irão perceber somente o caos que precede cada Crise Seldon, outros estarão tão imersos na narrativa intrigante e nos acontecimentos repletos de tensão que nem mesmo serão capazes de perceber as relações mais profundas desta história, outros, ainda, encontrarão vestígios da trajetória humana em partes específicas do enredo (esse foi o meu caso) mas não encontrarão as ligações reais para determinados pontos da narrativa. E desta forma a história de Fundação é recebida por cada leitor, cada um à sua própria maneira, cada um com suas próprias interpretações, alguns serão capazes de seguir para as profundezas e outros permanecerão na superfície, mas todos eles terão uma experiência única pela frente.

E esta experiência de leitura prazerosa se dá graças a escrita eletrizante e acessível do autor. Apesar de sua complexidade inegável, em momento algum a história excluí leitores menos experientes. Sua profundidade é percebida de acordo com o conhecimento do leitor acerca das características da ficção científica, da habilidade de refletir e criticar obras literárias, além dos conhecimentos que possuí com relação ao mundo que o cerca, contudo, a superfície é tão maravilhosa quanto a profundeza. Neste sentido, o leitor que nunca leu uma obra do autor, ou qualquer obra de ficção científica, terá a possibilidade de deparar-se com uma experiência de leitura tão apaixonante quanto aquele que já compreende o gênero.

Assim, Fundação apresenta-se como leitura obrigatória para todo fã de ficção científica. Seja por tratar-se de uma obra de Isaac Asimov, por todo o processo de pesquisa ou pela ousadia de reinterpretar a trajetória humana em meio a um contexto espacial, este livro expressa a criatividade e as possibilidades do gênero, demonstrando ser algo muito maior do que uma trama que se passa no espaço. Para os leitores que pouco conhecem o gênero, Fundação também funciona como uma porta de entrada para esse universo graças a sua escrita acessível e trama instigante. De uma forma ou de outra, Fundação é o exemplo perfeito de que não existem limites para a criatividade humana e para o gênero da ficção científica.

  • Foundation
  • Autor: Isaac Asimov
  • Tradução: Fábio Fernandes
  • Ano: 2009
  • Editora: Aleph
  • Páginas: 239
  • Amazon

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