Evan Hansen está totalmente encrencado e ele não sabe como sair dessa situação. Tudo por causa de uma maldita carta, escrita a pedido do seu maldito terapeuta, que ele definitivamente não gostaria de estar visitando. A mãe ausente acha que é isso que ele precisa para se conectar ao mundo real, mas parece que nada está funcionando. Ir às consultas, falar amenidades e escrever umas cartas bobas para si mesmo não fará ele virar o garoto popular da noite para o dia, nem conquistar a garota dos sonhos… ou ele está totalmente enganado?

De todas as cartas que ele já endereçou a si mesmo, essa é a única verdadeira. Ele falou sobre o medo de ser esquecido, sobre a percepção de solidão, sobre ninguém se importar de verdade com ele e também sobre Zoe, a garota mais incrível que ele já conheceu. Acontece que por um golpe do destino a carta foi parar nas mãos do excêntrico Connor Murphy. Connor não é apenas um maluco encrenqueiro, ele é também o irmão de Zoe e agora Evan só consegue pensar em todo o tipo de merda que irá acontecer quando sua carta for revelada ao mundo. Mas Connor comete suicídio, e a carta acaba se tornando as últimas palavras de um cara morto. Sem querer, Evan se torna o protagonista de um enredo desastroso. Ele não é mais invisível, tem amigos pela primeira vez e finalmente se aproximou da garota dos seus sonhos. Mas para manter uma mentira, muitas outras são necessárias e Evan não tem certeza se conseguirá aguentar isso por muito tempo.

Eu odeio mentiras, e esse livro é todo baseado numa grande mentira. Quando comecei a leitura, vagamente me lembrei de “As Vantagens de Ser Invisível”. Assim como Charlie, Evan é um garoto solitário que não se encaixa em nenhum grupo social. Como forma de terapia lhe é recomendado que escreva cartas para si mesmo, talvez na tentativa de colocar no papel as dores que ele não tem coragem de trazer no ambiente de tratamento. Fica nítido que há algo sob a superfície, e confesso que fiquei esperando o grande momento de revelação. Porém ao contrário de Charlie, que era um garoto perdido em si mesmo, Evan é vazio, desesperado por atenção, que não consegue gerar o mínimo de empatia. Talvez nesse ponto se encontre o grande problema da história. Quando um livro é narrado quase que inteiramente por um personagem tão raso, fica difícil se conectar com o enredo.

Percebi que evitar pessoas, na verdade, não aliviou nenhuma das minhas ansiedades. No meio da mata eu ainda tinha de conviver comigo mesmo.

Não ajuda que Evan não se abra de verdade em quase nenhum momento do livro. Ele conta uma história, e ela parece triste aos seus olhos, mas isso não envolve o leitor. Não é de verdade. E parece piada falar isso quando estamos justamente comentando sobre uma obra de ficção, mas há um apelo necessário nessa narrativa, e ele não foi atendido. Estamos falando de suicídio, estamos falando de depressão. Por si só esses já são temas pesados o bastante para originar livros e mais livros, mas o rumo tomado pelos autores deixou a desejar. O foco claramente é Evan e sua vida miserável. Mãe ausente, o abandono do pai, a garota que ignora totalmente sua existência e as sessões chatas com um terapeuta que ele detesta. É isso. Resumo do personagem em uma única linha. Eu disse, raso. Me incomoda a relação dele com a mãe, que faz diversos sacrifícios para fazer a vida de ambos mais próspera e que ele tenha mais conexão com uma garota qualquer do que com a pessoa que está ali por ele quase sempre.  Me incomoda também que ele use um dos únicos caras que poderia ser seu amigo, para ludibriar, mentir e enganar.

Claro que as pessoas enfrentam coisas que nem conseguimos imaginar, e que nossa avaliação baseada apenas em nossas próprias experiências, não nos permite ver a dor do outro. Eu me sinto até mesmo culpada por não conseguir entender as motivações do protagonista. Ou me faltou empatia, ou a narrativa não trouxe esse sentimento. O fato é que foi preciso lidar com monólogos chatos e piadas autodepreciativas por mais tempo do que eu gostaria. Consegui encontrar boas falas no personagem, momentos de reflexões humanas e sinceras, mas elas foram tão escassas que não tiveram a força necessária para segurar uma trama simples demais para emocionar. A grande tragédia da obra é ver que havia tantos gatilhos a serem utilizados, mas que acabaram por perder em meio a clichês pobres. Hormônios adolescentes se misturam à um envolvimento romântico nada interessante e trazem momentos ainda mais desnecessários. O grande elefante na sala, que seriam os motivos que levam um jovem a se suicidar, pouco são mencionados e você percebe que uma boa ideia é apenas isso se não houver o planejamento adequado por quem a divulga. O livro tinha uma proposta incrível e ainda estou sem entender o que aconteceu. Nem mesmo o terapeuta teve o espaço e o respeito que merecia. Como você cita um profissional da saúde mental com tão pouco caso, e não lhe atribui a devida importância? Chega a ser perigoso.

Meus comprimidos equilibram as substâncias químicas, mas Zoe é um remédio para a alma. Suas palavras remendam meu mundo em pedaços.

Mas apesar das duras críticas, o livro tem uma bela mensagem que eu preciso mencionar aqui. Talvez o ponto alto da trama seja a relação mãe e filho que se mostra por vezes tão precária. A verdade é que não existe manual de como é ser um bom pai. Somos pessoas imperfeitas lidando com o desconhecido a sua própria maneira. A mãe de Evan erra tentando acertar, e isso só mostra o quanto ela é incrível em seu papel. Eu fiquei feliz de ver uma redenção nesse elo entre os personagens e me emocionou que após tanto embate pudemos ver a sinceridade nas ações de ambos. Evan finalmente entende que sua mãe o ama acima de qualquer circunstância, e começa por fim aceitar a si mesmo. E a mãe por sua vez cria coragem para lidar com os próprios demônios e se abrir para o filho como uma igual, mostrando que o compreende, que também sente dor e que os sentimentos podem nos tornar fortes em meio à nossa fraqueza.

Sobre o desfecho você já deve imaginar como a história termina e posso afirmar que não haverá grandes surpresas. Porém eu ainda acho que você deveria dar uma chance a essa leitura, afinal nossa percepção é única e intransferível. Eu desejo que você se conecte aos personagens de uma maneira especial, e espero que consiga extrair uma mensagem maravilhosa dessa obra. Ouvi muitos elogios ao musical que inspirou o enredo, e gostaria de ter tido a chance de assisti-lo. Tenho certeza que a junção dessas duas coisas tenha criado uma verdadeira obra prima nos palcos do teatro. Talvez eu não estivesse no momento adequado para conhecer Evan e seus muitos dilemas e não seria justo que eu tirasse essa chance de vocês com uma opinião taxativa. Leiam e deixem nos comentários as suas próprias impressões sobre essa jornada.

  • Dear Evan Hansen: The Novel
  • Autor: Val Emmich
  • Tradução: Guilherme Miranda
  • Ano: 2019
  • Editora: Seguinte
  • Páginas: 336
  • Amazon

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