Existem livros e livros, páginas e páginas que poderiam cobrir toda a superfície da terra, talvez mais de uma, ou quem sabe duas ou três vezes. Existem livros que aparecem em nossas vidas nos momentos errados e outros nos momentos certos, obras que nos encantam não importa a ocasião, mas também existem aquelas obras que tentam ser algo que nunca poderão ser.Existem também aqueles momentos, aqueles dias em que tudo se alinha para que a experiência de leitura seja a melhor possível. O sol brilha diferente, o clima se encaixa a obra literária, e é como se a história se expandisse para o mundo real e todas aquelas palavras ganhassem vida sem precisar de qualquer esforço.

A Menina da Neve se mostrou para mim durante um momento de despreparo, de guarda baixa. Já havia lido algumas resenhas dessa obra, mas nenhuma delas poderia me preparar para o momento da leitura, nenhuma, por mais que tentasse, poderia me mostrar a beleza que essa obra contém dentro de si. Nada poderia me preparar para a obra que pulsava em minha frente, para a magia de um lugar único e cheio de histórias encantadas.

Jack se ajoelhou na neve ensanguentada e se perguntou se era assim que um homem mantinha sua honra nessa troca, aprendendo e trazendo para dentro de si essa natureza estranha – protegida e expostas, violenta e pacífica, trêmula em sua grandeza.

Esta obra nos apresentará a jornada de Mabel e seu marido Jack pelas terras indomadas do Alasca de 1920. Porém muito mais do que um mero plano de fundo, o Alasca se transforma em palco, e quem sabe até mesmo em personagem vivo e onipresente dessa obra, pois é ele quem dita as regras, é ele quem comanda o aqui e agora e esconde segredos por toda sua imensidão branca. O casal busca as terras brancas e indomáveis como uma forma de recomeçar, de deixar o passado triste e pesado para trás, mas se direcionam para uma nova vida de maneira totalmente despreparada, da mesma forma como estamos sempre despreparados para a vida e suas surpresas.
Tanto Mabel quanto Jack possuem personalidades escondidas e, até certo ponto, semelhantes, que se abrirão e se fortalecerão ao longo da história. Da mesma forma como sua personalidade demora para se apresentar aos nossos olhos, seus temores, suas mágoas, cicatrizes, orgulho e todos, todos os sentimentos que seus corações guardam serão libertados apenas, e só apenas quando o Alasca permitir, quando suas necessidades tornarem-se a do outro, quando a vida forçar a mudança de suas ações, quando o Alasca forçar a passagem para que algo melhor possa se acomodar. O casal, que já alcança certa idade, mas não chega a ser um casal de idosos como muitos mencionaram, não possuí filhos, porém sempre desejaram um herdeiro, uma criança correndo pela casa, uma fagulha de alegria que tomasse conta de suas vidas, porém o destino tinha outros planos para eles. Com sua relação esfriando juntamente com o frio e a neve, um momento de união poderá restabelecer os laços a muito escondidos.

Ainda assim, ao ajoelhar, Mabel voltou para sua terra. O luar acobreado. Os caminhos do pomar. A terra dura sob seus joelhos. Uma criança morta enterrada há dois dias.

Durante a primeira nevasca do inverno os dois criam uma menina de neve, um boneco de neve branco e gelado, inanimado, porém recoberto de tristezas e esperanças. A menina é moldada com amor, carinho e união, nela são depositadas todas as mágoas e sonhos que um dia fizeram parte de suas vidas. E então, como num passe de mágica, como se seu destino lhes pregasse uma peça, como se todo o encantamento do mundo se mostrasse na frente de seus próprios olhos, Faina surge no lugar daquele boneco indefeso. Durante uma noite mágica de nevasca existia uma garotinha de neve, e com o amanhecer e os primeiros raios de sol surge ima criança de carne e osso vinda da floresta. A partir do surgimento da menina toda a dinâmica do casal irá mudar, acompanharemos suas dificuldades em uma terra cruel, sofreremos com eles, nos alegraremos com suas conquistas e veremos a esperança surgir com os primeiros raios de sol do verão e a risada animada de uma garotinha adorável.
Fantasia e realidade se misturam de uma forma perfeita nessa obra. Mas o que torna esse livro tão especial não é o fato de não sabermos o que é real e o que é fantástico, não é o mistério que existe em torno da menina ou como os flocos de neve parecem partículas de um brilho mágico ao seu redor, é o fato de que assim como no mundo real, cada momento de nossas vidas pode conter dentro de sua essência uma pitada de magia. Da mesma forma, a magia toma conta de nossa realidade, talvez nunca estivesse escondida como nos foi ensinado a acreditar, talvez apenas tenhamos perdido nossa habilidade de enxergar e tudo o que precisamos é de uma obra capaz de nos recordar que um dia eramos capazes de ver beleza no mundo.
Com uma escrita simples, porém repleta de detalhes encantadores, de descrições que se desdobram por si mesmas, que tomam conta de seus olhos, a história ganha um palco. Através de sentimentos e personalidades de cada personagem, essa obra ganha dimensão e magia, através dos olhos de uma garotinha, das experiências de um casal que há muito tinha perdido as esperanças, nós viajamos para longe, e então o frio, a neve, cada palavra transborda para fora das páginas, começa a fazer parte de nós e nos ensina o quanto a vida esconde de nossos olhos. Mesmo com as tristezas a alegria reaparece, após o inverno as plantas ganham vida, o ciclo da vida se mostra em sua forma mais pura, mesmo que a princípio pareça triste, ele é harmônico, possui beleza e é capaz de guardar para o final tudo aquilo que um dia desejamos no interior de nossos corações.

A vida sempre nos joga para um lado e para o outro. É uma aventura não saber onde você acabará e como pagará sua passagem.

Eowyn Ivey soube se apropriar muito bem de um conto antigo, mas muito mais do que lhe trazer uma releitura, ela lhe trouxe uma nova roupagem, um novo frescor. A autora se utilizou de uma história antiga para elaborar a sua própria, e demonstrando todo o seu amor ao adorável conto, foi capaz de inseri-lo como mágica a cada ponto da história!
Como não poderia ser diferente, a Novo Conceito se manteve a altura dessa obra. A revisão foi precisa e certeira, não encontrei qualquer erro de revisão ao longo da leitura. Mas o destaque especial se materializa a cada início de capítulo, a cada nova parte do livro, pois é aí que a graça e beleza da história recebe o acabamento especial que torna a edição digna de todo o seu encantamento.
A Menina da Neve é uma obra que só pode ser entendida, apreciada em sua totalidade quando lida, quando o leitor se deixa levar por suas palavras, por seus sentimentos e sua magia. Muito mais do que fantasia ou realidade, ela é a mistura perfeita dos dois, é a harmonia que apreciamos na beleza de um floco de neve, é o frio que sentimos no mais gelado inverno, mas também é o calor que aquece nossos corações e nos traz esperança. Nunca serei capaz de expressar a beleza dessa obra, pois acredito que algumas obras não podem ser descritas, devem ser sentidas, e essa é um exemplo perfeito desse caso. Sendo assim, deixe que o frio te invada e uma menina de neve te mostre a beleza que somente a realidade pode conter.

As marcas fracas feitas a lápis captaram algo que ele sentira, mas nunca pode expressar. Era uma completude, uma espécie de vida afetuosa e sobrecarregada que tomava conta de Faina em seus últimos dias, e uma ternura generosa que se derramava sobre o bebê como a luz dourada do sol.

  • The Snow Child
  • Autor: Eowyn Ivey
  • Tradução: Paulo Polzonoff
  • Ano: 2015
  • Editora: Novo Conceito
  • Páginas: 348
  • Amazon

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