No universo de Questão de Classe, os EUA vivem em uma sociedade separada por um Q (quantificador de inteligência). Esse Q é uma nota a partir do seu desempenho cerebral, quanto maior ele é, melhor são suas chances de prosperar nessa sociedade: ser aceito em uma boa escola, em uma boa universidade e ter o melhor emprego. Ao longo dos anos o cálculo do Q foi ficando tão sofisticado que até dá para medi-lo a partir do estágio de feto. Se o feto não tiver um bom Q, a mãe pode simplesmente abortá-lo se assim ela desejar. Tudo em nome de um padrão elevado, pois se houver alguém diferente, a sociedade vai ter que dispor de novos recursos só para cuidar daqueles que não acompanham “o melhor”.
O negócio, o ponto crucial, o que as pessoas precisam entender, é que não somos todos iguais. Vou repetir: não somos todos iguais. Digam, pais, vocês querem seu filho em uma sala de aula com alunos que se desviam do padrão? Com crianças que não tem capacidade para entender as lutas e os desafios que seu filho de 5 anos enfrenta? Com professores cujo tempo é tão disputado que todo mundo, todo mundo, acaba se prejudicando?
Então para que a sociedade prospere, os estudantes são divididos em três categorias de escolas: prata, verde e amarela. Dos melhores alunos aos piores. Os adultos também seguem essa divisão e assim, os pratas são os que conseguem os melhores empregos e salários. Porém o mesmo Q não é garantido para toda a vida, pois todos os meses há um novo cálculo e que pode afetar toda a família. O Q é uma verdadeira prisão para a perfeição.
É nesse universo opressivo que Elena Fairchild vive com seu marido e as duas filhas. Ela é professora de uma escola prata, seu marido trabalha para o governo e sua filha mais velha Anne está em uma escola prata. É na filha mais nova de nove anos, Freddie que Elena vê que o padrão de perfeição não existe. É só quando Freddie tira uma nota baixa nas provas da escola e acaba por ser mandada para uma escola amarela, há muitos quilômetros de casa, é que Elena vê que deve fazer alguma coisa para que aja mudanças nessa sociedade. Ou ela aceita tudo como está e fica longe da filha ou ela vai buscar a mudança.
O problema aqui é de uma simplicidade infantil: os empregos estão desaparecendo, mas as pessoas não. Quando entro na garagem subterrânea e espero enquanto outra máquina escaneia o adesivo do meu carro, me recebendo com – ainda que eletrônico – Bom dia, Dra. Faircild!, eu me pergunto onde estarão todos os alunos das escolas amarelas daqui a dez anos. Fico pensando no que faremos com as pessoas que não forem mais necessárias.
Duas coisas que gostaria de ressaltar. Primeiro, são os vários flash do passado de Elena, pois ali vamos entendendo vários acontecimentos do presente. Achei uma sacada bacana da autora ter feito isso. O segundo é o quanto o governo quis melhorar a educação, pena que a ideia de melhor é totalmente distorcida para o bem do próprio país e não para a população no geral.
Questão de Classe e Vox não são do mesmo universo, mas são similares ao falarem sobre o machismo, o patriarcado, a segregação, etc, mas as histórias seguem abordagens diferentes e ainda assim importantes. Em Questão de Classe as temáticas de homofobia, capacitismo e eugenia estão muito presentes também, principalmente com essa quantificação cerebral.
O livro vai trazer a temática da segregação a partir do Q de cada pessoa. Toda a sociedade gira em torno dele e a partir daí, atrocidades são cometidas em nome do progresso e do “melhor” para todos. Questão de Classe me deixou angustiada e com raiva em várias situações diversas. Não tem como ler esse livro e não ter vontade de bater em alguém, vontade de gritar que as coisas que estão fazendo não estão certas, que as pessoas podem sim ser diferentes e está tudo bem ser assim.
Infelizmente o final foi rápido, a solução foi entregue com facilidade, mas isso para mim não tira o brilhantismo da história. Para quem for ler, a dica que dou é focar nas lições que a história traz e esquecer a solução rápida. Pessoalmente, foi uma leitura que valeu muito a pena!
- Master Class
- Autor: Christina Dalcher
- Tradução: Ivanir Calado
- Ano: 2020
- Editora: Arqueiro
- Páginas: 304
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