Inspirada na história da China do século XX, A Guerra da Papoula é o primeiro volume de uma trilogia de fantasia escrita por R. F. Kuang. A história principia com a jovem órfã de guerra Rin encontrando a fuga de um casamento arranjado no ingresso na academia militar de maior prestígio de sua nação, o Império Nikara. Acompanhamos a partir de então a busca de Rin por poder, marcada por preconceitos e adversidades, e que logo se transforma devido ao advento de uma guerra que mudará a vida de toda a nação para sempre.
Apesar de ter ouvido diversos elogios a esta obra, pouco sabia do que tratava até efetivamente começar a leitura. Como a história começa com o ingresso de Rin na academia militar de Sinegard, acreditava que a narrativa seria centralizada no amadurecimento da protagonista durante seu processo de aprendizagem, cenário trazido em diversas obras da atualidade, principalmente naquelas que compõem a estética literária dark academy.
Isto ocorre de fato, mas é apenas uma parte da trama vasta e complexa de A Guerra da Papoula. Muito mais do que uma história sobre aprendizagem, esta é uma história sobre poder, que aparece tanto no contexto acadêmico quanto em contexto de guerra. O poder é o fio condutor de uma narrativa ágil e concisa, que atravessa diversos anos e aborda múltiplos acontecimentos, e que consegue não se perder e nem deixar pontas soltas por seguir a temática da política.
Acompanhar a jornada de Rin nos permite ver que sistemas aparentemente justos são na verdade construídos para manutenção de uma determinada estrutura de poder, o que causa uma dificuldade imensa para aqueles que tentem rompê-la. Podemos observar também a construção social do inimigo como aquele diferente de nós, um outro desumanizado e que justamente por isso pode virar alvo de violências brutais das mais diversas. Por fim, também podemos observar nesta história os impactos que a violência produz nas sociedades e nas pessoas que a experienciam.
Vale dizer que a ênfase na política não faz com que a autora descuide dos personagens que habitam o universo deste livro. O que ocorre é justamente o oposto: R. F. Kuang foi extremamente bem-sucedida na tarefa de criar personagens multifacetados, que nos fazem perder completamente de vista noções polarizadas como heróis e vilões ao mostrar como pessoas reagem a situações complexas envolvendo dinâmicas de poder e violência.
A Guerra da Papoula vem em uma esteira de livros que têm se tornado populares no Brasil nos últimos anos: aqueles que denunciam as violências cometidas durante a Segunda Guerra Mundial em países que até então estavam em segundo plano na narrativa ocidental, como a Coréia e a China. Temos como exemplos os livros Pachinko, de Min Jin Lee, Herdeiras do mar, de Mary Lynn Bracht, e a graphic novel Grama, de Keum Suk Gendry-Kim. A Guerra da Papoula soma a esses livros sobre esta temática tão importante um olhar inovador, com toques de fantasia, aliado a uma narrativa precisa e envolvente, tornando essa uma excelente obra, altamente recomendável.
- The poppy war
- Autor: R. F. Kuang
- Tradução: Ulisses Teixeira
- Ano: 2022
- Editora: Intrínseca
- Páginas: 512
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