Estamos em Westeros, no ano 0 DC, nos primórdios das grandes casas dos sete reinos, trezentos anos antes do início das histórias contadas em A Guerra dos Tronos, primeiro livro da aclamada série de literatura fantástica As Crônicas de Gelo e Fogo.
Guerra dos Tronos foi lançado originalmente em 1996 e era para ser apenas uma trilogia, porém seu escritor, George R. R. Martin, decidiu esticar um pouco a série e já definiu que serão sete volumes, cinco deles já lançados. O último deles tem o título de A Dança dos Dragões e foi lançado no longínquo ano de 2011. Os próximos dois livros já têm títulos e se chamarão “The Winds of Winter” e “A Dream of Spring”. Os livros são calhamaços de letras miúdas, daquelas leituras que você precisa maratonar para terminar logo, mas valem a pena cada segundo debruçado sobre suas páginas.
Essa enorme obra de sucesso virou uma série de televisão transmitida pelo canal de TV à cabo HBO, e alcançou tanto ou mais sucesso que sua vertente literária. Mas como todos nós sabemos que livros são sempre infinitamente melhores do que qualquer adaptação cinematográfica ou televisiva, preferimos a leitura dessa infinidade de histórias de traição, sexo, mortes e muito sangue.
Mas não é só da série principal que vive George R. R. Martin, muitos fãs de GOT (sigla da série Game Of Thrones) chegam a dizer que ele não termina os volumes que faltam porque passa muito tempo escrevendo ramificações da obra. GOT tem um universo tão bem criado e com tantos detalhes que gera histórias a parte, que são escritas obedecendo fielmente os dados históricos da obra principal. George R. R. Martin abusa disso, sua série já conta inclusive com uma trilogia chamada de
Contos de Dunk e Egg, onde são contadas as histórias de um cavaleiro e seu escudeiro, e com a série de mais cinco livros chamada pelo próprio Martin de
História Falsa, que também já conta com cinco obras (dentre livros e novelas) e que ganhará mais um volume. É nesta última ramificação que se encaixa
Fogo e Sangue – Volume I, o mais novo livro do mestre da fantasia.
George chama essa vertente de As Crônicas de Gelo e Fogo de Histórias Falsas, por elas não serem contadas pelos personagens, em primeira pessoa, como os volumes originais da série, e sim por pessoas que apesar de também serem fictícias passam a impressão de estarem contando uma história que lhes foi contada pelos seus antepassados. Cada um dos volumes tem um narrador e a sensação de realmente estar lendo um manuscrito feito por alguém que queria contar aquela história para um ente querido, é extremamente real e maravilhosa.
Nesse volume temos acesso à história da Casa Targaryen, vamos descobrir como que por 300 anos eles ocuparam o trono dos sete reinos, tudo isso sob a narração do Arquimeistre Gyldayn da Cidadela de Vilavelha. O primeiro capítulo da história conta como foi a conquista de Aegon, aquela que lhe deu posse da Casa Targaryen, e termina com o capítulo que fala sobre a queda do império.
As informações são passadas com um grande grau de veracidade, porém a descrição e a ambientação das cenas ficam bem aquém do que eu gosto de ver em livros. O leitor não se sente dentro da história, fica claramente a parte de tudo apenas “ouvindo” histórias contadas por um terceiro. E olha que, mesmo sem grandes descrições, o livro possui mais de 500 páginas e muito sangue, cenas extremamente perturbadoras e chocantes, como mortes cheias de requintes de crueldade, estupros e sexo incestuoso, mas isso não deve ser nenhuma novidade para os leitores da série.
Outra coisa que é bem diferente em Fogo e Sangue, comparado à série original, é o estilo de narrativa e de temporização. Nessa ramificação da série, o narrador é um só, e não cada um dos personagens principais. Além disso a cronologia da história neste livro é linear, sem idas e vindas, algo que eu odiava na leitura da série original, que ficava indo e voltando no tempo diversas vezes, sem se preocupar com a organização do texto, mas que, felizmente, não é notada na série de TV.
O livro está sendo muito criticado pelos fãs da série, que basicamente não entendem porque o escritor fez uma obra de mais de 500 páginas, sendo que é apenas um braço da história principal, enquanto o sexto livro de As Crônicas de Gelo e Fogo ainda não chegou às livrarias, além é claro, de considerarem a obra completamente dispensável, e se eu for analisar por um lado mais crítico, ela é. Eu indicaria ela aqueles leitores vorazes e extremamente fãs da série, mas ao mesmo tempo, para quem ainda não conhece a série. É um bom livro para ter uma ideia de como funciona a temática e ver se você gostaria de entrar nesse mundo imenso de fantasia. A narrativa do livro é muito bem desenvolvida e faz os 300 anos passarem com muita fluidez e a evolução do tempo durante a leitura é maravilhosa.
De forma geral, eu gostei muito da leitura, preferi muito mais a estrutura de texto dessa coleção de livros do que da série original. Essa é muito mais próxima do que eu gosto, mas ao mesmo tempo, apesar de não ser um fã ferrenho, entendo quem cobra que autor escreva logo o sexto volume, ao invés de ficar criando livros que apenas ocupam um lugar em volta do círculo de sucesso.
A edição produzida pela Editora Suma é um capítulo à parte, que desbunde! A capa simplesmente humilha a do livro americano, sem contar as dezenas de ilustrações com uma resolução magnífica feitas pelo ilustrador Doug Wheatley. Gostaria que todos livros tivessem ilustrações tão belas!
Resumindo, apesar de uma boa história, de ser um livro muito bom, Fogo e Sangue é dispensável de certa forma para quem se sente “obrigado” a comprar tudo da série e não sacia completamente a saudade dos volumes de As Crônicas de Gelo e Fogo. Mas se você quiser usar uma semana de sua vida para encarar mais esse calhamaço, tenho certeza que não irá se arrepender, porque a obra é magnífica e George Martin nunca é demais.