Resenha: Louca

12 dez, 2017 Por Biia Rozante

Com toda certeza essa resenha irá fugir totalmente aos padrões aqui do blog. É impossível falar de Louca da maneira convencional, eu não saberia nem por onde começar.
A grama do vizinho é sempre mais verde, não é verdade? E quando o vizinho em questão é seu irmão, ou melhor, seu irmão gêmeo? Não é de hoje que escutamos histórias peculiares sobre irmãos gêmeos. Se em uma família tida como “normal”, irmãos brigam e competem entre si o tempo todo, imagine em famílias com gêmeos? Exatamente, não deve ser nada fácil.
Alvie e Beth são gêmeas univitelinas, idênticas em sua aparência e opostas em suas personalidades, ou pelo menos é isso que Alvie tenta nos convencer. Desempregada, amargurada, frustrada e revoltada, Alvie não tem encontrado muitos motivos de felicidade em sua vida, e para ajudar está para ser despejada de seu apartamento, seus relacionamentos são vazios e sua vida social praticamente inexistente. E ainda assim tudo seria aceitável se não fosse por sua irmã Beth e sua vida perfeita, com o marido perfeito, na Itália.

(…) Alguns chamam de sorte, coincidência ou acaso. Mas a natureza não gosta de nada aleatório. Deus não joga dados. Eu vim por um motivo, tenho certeza disso. Só não sei ainda que motivo é esse. Os dois dias mais importantes da sua vida são o dia em que você nasce e o dia em que descobre por quê.

Há dois anos elas não se encontram, há dois anos apenas ficam sabendo uma da outra por meio de redes sociais e ligações aleatórias, até que Beth inesperadamente insiste que a irmã vá visitá-la. Obviamente que o convite é recusado, mas Beth segue insistindo e aumenta a oferta para uma viagem de primeira classe, diante de sua situação atual, Alvie aceita, afinal de contas o que ela tem a perder? Ela pode ir visitar sua não amada irmã, aproveitar todas as vantagens da primeira classe, rever seu cunhado maravilhoso e pronto, depois ela retorna e volta a pensar na sua vidinha mais ou menos. Ao chegar na Itália, uma coisa fica bem clara, a vida perfeita de sua irmã, não era exatamente assim.

O que treze temporadas de “Criminal Minds” faz com você? Te torna um perfilador experiente. Exatamente caros leitores, a história que aparentemente seria apenas sobre relações familiares e usurpação, se revelou algo muito mais complexo e intenso. Vou explicar.
Alvie é uma pessoa negativa, com dificuldade de relacionamento. Ela é vista como alguém esquisita, sua interação com as pessoas é complicada e ela reafirma a todo instante sua negatividade. É notório o quanto ela se sente inferior em relação a sua irmã e o quanto a culpa por tudo de ruim que aconteceu em sua vida. Inveja? Eu iria mais longe, diria que o sentimento nutrido ali é mais como uma obsessão. Não posso deixar de mencionar também o quanto ela descarrega essa mesma frustração sobre sua mãe, que pelo que entendemos sempre a rejeitou e a tratou com desprezo. Como o narrador não é confiável, fiquei na dúvida se a autora estava tentando justificar as ações da protagonista, se realmente o que nos era passado era verdade, ou simplesmente fruto de uma mente doentia.
Ao longo dos capítulos a autora nos apresenta essa jovem, e alguns fatos de seu passado. Com seu humor negro e ácido, Alvie consegue arrancar algumas risadas e alguns de seus pensamentos são surreais, outros apenas divagações cotidianas. Ela é bem “humana”, vivendo uma fase ruim em sua vida. Entretanto a medida que a leitura avança, passamos a nos dar conta de que existe um algo a mais em seu comportamento, pequenos sinais que vão nos sendo deixados aos poucos. É quando determinada cena acontece… BOOM é para chocar, deixar os pelos arrepiados e o queixo caído. Você fica realmente se questionando se de fato aquilo aconteceu, analisando a frieza e a indiferença, a maneira como tudo é encarado e a superficialidade das emoções.

(…) Uma falsificação! Uma cópia! Uma imitação barata do original. Claro, não tem valor nenhum. Uma cópia nunca, nunca é tão boa. Ela perde a magia do original, a beleza intangível, o je ne sais quoi. Ela não tem alma, não tem dignidade…

Nossa protagonista é uma sociopata. A Sociopatia – Transtorno de personalidade antissocial -, provoca na pessoa que sofre dele um comportamento hostil impulsivo e antissocial. Caracterizado justamente por um egocentrismo exagerado que o leva a desconsiderar os sentimentos e opiniões de outras pessoas. É importante ressaltar também, que essa condição psicológica faz com que a pessoa em questão não tenha apego a valores morais, não nutra sentimentos, mas que sabe usá-los sempre que necessário, ou seja, são pessoas calculistas e manipuladoras. E quando paramos para analisar o comportamento da Alvie é exatamente isso que encontramos.
Ela vai para Itália a convite de sua irmã, ao chegar ali algumas coisas estranhas passam a acontecer e isso chama sua atenção e o que aparentemente não era nada se revela algo bem complicado. É o início de um quebra-cabeça, uma caçada em busca de informações e verdades ocultas. Como a sinopse mesmo nos revela, Beth é encontrada morta e Alvie sem escrúpulo algum se apropria da situação, mas se lembra que eu mencionei que essa viagem não foi planejada? Pois bem, ela realmente não foi, mas serviu de gatilho para trazer à tona uma Alvie que só aguardava ser liberta.

É muito difícil falar da obra sem trazer spoilers, mas Louca me surpreendeu e me decepcionou quase que na mesma proporção. Logo de cara a leitura me envolveu, Alvie me passou a primeira impressão de ser uma rabugenta, mal-amada e frustrada com a vida. Coitada, tudo dava errado, ela parecia ter entrado em uma maré ruim e estar descendo ladeira abaixo. Então, chegou a viagem e pensei: Agora vai. Só que não foi, apesar de alguns mistérios surgirem, em virtude de muitos segredos e uma rede de mentiras, as emoções dos personagens, o envolvimento entre eles, tudo era muito raso, vazio, supérfluo e isso começou a me incomodar demais, não conseguia me conectar com os personagens, alguns desfechos não faziam sentido, tudo estava tão confuso e embaralhado… então, me dei conta de que essa era exatamente a intenção da autora.

Aqui não temos um mocinho, todos são “vilões” de alguma forma, seja por suas ações ou apenas por suas intenções, isso sem mencionar nossa protagonista sociopata. É claro que o envolvimento, que a busca por emoções ficaria comprometido, afinal de contas, os próprios personagens não desenvolviam esse nível de afetuosidade e crescimento. Por outro lado, a autora trouxe reações muito humanas, pensamentos com os quais nos identificamos, ninguém é totalmente bom ou mal, e essa dualidade é bem explorada. Como mencionei anteriormente Alvie possui um humor muito particular, sua personalidade é algo a ser explorado, em alguns momentos ela é simplesmente insana e exagerada, já em outros é quase que infantil, sarcástica, escrachada, cruel, ela não poupa esforços para conseguir o que deseja, manipula, simula, explora o que tem de melhor, ou pior em si. Mas de modo geral, é impossível odiá-la, ou teme-la completamente. E isso me deixou tensa, porque em alguns momentos quis consolá-la e dizer: Chega mais, vamos conversar, eu te entendo.

Vou encontrar aquele stronzo e de um jeito calmo… doloroso… sem pressa… vou encontrá-lo e matá-lo. Ou me casar com ele.

Louca é o tipo de livro contraditório que te tira da zona de conforto e surpreende. Não tem como saber para onde a autora irá nos direcionar e cada capítulo acaba por ser um território novo a ser explorado. A narrativa é envolvente, a escrita da autora é fluida e o enredo bem estruturado e o clichê passa bem longe. Outro ponto positivo é a discussão de que sociopatas, psicopatas, são pessoas aparentemente normais, que vivem suas vidas tranquilamente ocultando em si suas personalidades doentias, não é algo que vem estampado na testa, que para matar basta realmente começar e tomar gosto pela coisa, falando assim pode parecer loucura, frio, mas infelizmente é a realidade. Pessoas com transtornos psicológicos não são ficção. Já o que me incomodou, é que a autora deixou algumas coisas muito vagas, outras sem nenhum motivo aparente, ou sem justificativas plausíveis. Senti que alguns aspectos poderiam ter sido melhores explorados e outros apenas removidos. Mas darei um desconto porque se trata de uma trilogia então pode ser que muita coisa ainda venha a acontecer. Leitores sensíveis, podem achar a leitura um pouco incomoda, pesada. É importante frisar que temos sexo, sangue, assassinatos e frieza em grande quantidade.
Vou deixar uma curiosidade aqui, quando terminei de ler fiquei sem saber realmente o que senti com a história, aí dei três estrelas, só que mesmo depois disto algumas coisas não saiam da minha cabeça – não posso revelar, para não gerar spoilers -, aí fui escrever a resenha e adivinhem? Mudei a nota para quatro estrelas, pois me dei conta de que muita coisa na obra havia me conquistado e que os pontos a favor eram bem maiores que os negativos. Como já falei é uma obra difícil de resenhar, é o tipo de livro que verdadeiramente só lendo para saber, fica a dica.

  • Mad
  • Autor: Chloé Esposito
  • Tradução: Alyne Azuma
  • Ano: 2017
  • Editora: Globo Livros
  • Páginas: 360
  • Amazon

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